O seu Natal e o Reverendo Odilon.
O ano era 1966 e a cidade era Barra do Corda Maranhão, o berço da Igreja
Cristã Evangélica da AICEB. Conheci o "seu Natal", um crente muito convicto e
profissional na arte de trabalhar com flandres. A pessoa que trabalhava com
flandres, também era conhecida como
funileiro. Uma profissão comum antigamente quando a luz elétrica era rara,
quando quase não existia nas pequenas cidades. As casas eram iluminadas à luz
de lamparinas e lampiões. Essa profissão era muito importante, porque as lâmpadas,
incandescentes quase não existiam. E o mais notável era que o seu Natal era um
homem portador de deficiência física, era aleijado de ambas as pernas, doença
causada já na sua idade adulta pela peste bubônica, enfermidade existente no
Brasil vinda da europa e que era muito perigosa e se propagava facilmente. Seu Natal se locomovia numa espécie de cadeira
com quatro rodas, parecida com uma cadeira preguiçosa. Tinha impossibilidade de
até se sentar numa cadeira comum, por isso utilizando esse meio, invenção dele.
Passava o dia trabalhando na sua oficina, fazendo lamparinas e lampiões, funis,
canecas de medir querosene, azeite, farinha e feijão e outras utilidades,
sempre deitado naquela cadeira de pano grosso e assim ele ia a para a igreja ou
outro lugar qualquer sempre auxiliado por uma pessoa para empurrar o seu
carrinho ou as vezes utilizava o pedal de
bicicleta adaptado à cadeira com corrente. Seu Natal criou seus quatro filhos
Diná, Albérico, Davi e Natalzinho trabalhando, pois naquele tempo não existia
qualquer benefício ou auxílio como ação social do governo.
Aconteceu em 1967 um
fato na Igreja, hoje Primeira Igreja Cristã Evangélica, da Rua Arão Brito pastoreada pelo Reverendo Jairo.
Chegou à cidade vindo de Brasília um pregador de nome Odilon.
Dava testemunho de que havia abandonado um empregado muito importante no
governo federal recém instalado em Brasília. Nesse tempo não existia concurso
público, e muitos irmãos nossos procedentes de Barra do Corda que ali chegaram
cedo, conseguiram grandes empregos em órgãos públicos como: No Senado, na
Câmara dos Deputados, no Banco Central, na Caixa Econômica Federal, nos
Tribunais e até no Palácio do Planalto, e tantas autarquias. Um amigo meu, contemporâneo de Internato, que já está idoso foi aposentado, como agente secreto da Presidência da
República.
Acredito que o Reverendo Odilon tinha um emprego muito
importante e segundo ele, Deus o tirou de lá para fazê-lo pregador, ambulante,
designando-o como instrumento para implantar um grande projeto ou seja uma (uma
denominação, como chamam um ministério). Ele
viajou para Barra do Corda, Maranhão com um jovem de nome Claudir, jovem de uma
linda voz, um segundo Feliciano Amaral, que cantava solos, hinos tão belos,
à capella, isto é, sem acompanhamento
instrumental. Seus hinos eram inspiradores e encantadores. Odilon foi muito bem recebido pelo Pr. Josué Santos, já há muito tempo falecido, (irmão do
saudoso pastor Abidiel) bem acolhido também pelos
missionários do Internato e marcaram com ele uma cruzada espiritual cujo pregador foi aquele
piedoso homem de Deus. Ele era um
pregador muito eloquente. Em um dos cultos ele orou pela cura de uma
adolescente especial filha do missionário alemão Carlos Berger (que estava
morando na cidade trabalhando no projeto da fundação da Missão Evangélica aos
Índios do Brasil – MEIB. Com oração fervorosa o reverendo começou a falar em
línguas estranhas que não era nem inglês nem alemão, constatado pelos
missionários. A própria mãe da menina
caiu em êxtase e também falou em línguas. A diretora da Escola Normal Maranata,
missionária inglesa Joan Caven, que era cadeirante, também se emocionou e teve
revelações.
Em outro culto chamado de “culto de avivamento” o Pr. Odilon dirigiu-se ao seu Natal e orou pela sua cura “determinando” que o irmão fosse curado e levantasse daquela “cadeira de rodas”. O seu Natal, homem de Deus, lhe disse mais ou menos estas palavras: “Pastor, eu sirvo a Deus desde quando aceitei a Jesus como salvador e sou um servo muito feliz mesmo com este defeito físico causado pela doença e sempre Deus tem me dado alegria e suprido todas as minhas necessidades, se Ele quer me curar estou pronto para receber a cura do meu corpo, se quer me deixar assim como sou, continuarei servindo ao meu Deus com alegria e felicidade”. O seu Natal não foi curado nem a menina e nem a dona Joana Caven. Porém os cultos da cruzada continuaram com as lindas pregações e lindos cânticos do Cantor Claudir. Muitos crentes desviados voltaram para igreja.
Naquele tempo não entendíamos o que era o Neo Pentecostalismo, nem mesmo os pastores e missionários da AICEB. Era o início da explosão que viria mais tarde iniciando o movimento Neo Pentecostal em muitas igrejas, causando divisões nos arraiais evangélicos. Odilon continuou indo para outras nossas igrejas como a de Presidente Dutra (do Pr. Virgílio Feitosa) a de Colinas (do Pr. Jonas Matos, em São Luís, (a do Pr. Abdoral Silva, a de Grajaú (a do Pr. Paulo Monteiro). Todos receberam o servo de Deus com boas vindas, mas em nenhum lugar o Reverendo Odilon não foi bem sucedido com o que planejava em seu coração. Depois quando voltou para Brasília, escreveu um livro, que fez referencia as suas viagens e experiências pelo Maranhão e falou do seu Natal, contando a sua história de vida e destacando-o como um homem submisso, humilde e fiel a Deus.