quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A IGREJA DENTRO DA LEI - Homossexualismo (LGBT) e Liberdade Religiosa

Por Adiel Teófilo. 


As reivindicações dos movimentos homossexuais têm provocado divergência de opiniões em vários segmentos da sociedade, inclusive entre denominações evangélicas. Não raras vezes surgem controvérsias de difícil resolução, colocando-se em lados opostos, convicções Bíblicas, e, práticas homossexuais, incluindo nessa expressão a conduta das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBTTT). Os problemas mais complexos envolvem pessoas que assumem a homossexualidade, porém insistem em permanecer no rol de membros e no exercício de atividades na igreja, mesmo contrariando frontalmente a convicção da instituição religiosa que reprova a homossexualidade.
As questões dessa natureza são de fato muito complexas. No entanto é possível trata-las de forma adequada, respeitando-se inclusive a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, conforme art. 1º, inc. II, da Constituição Federal (CF).
a) Da liberdade de opção sexual
Na verdade, à sombra desse Estado Democrático de Direito, as pessoas em nosso país podem livremente escolher e manter na vida íntima qualquer conduta sexual. Dessa forma, qualquer que seja a opção, mesmo contrária ao entendimento Bíblico da igreja evangélica, a pessoa homossexual não pode ser tratada indignamente. Não pode ser abordada de maneira preconceituosa, nem submetida a nenhuma forma de discriminação, vexame ou constrangimento, por causa da sua escolha sexual. Isso porque o art. 3º, inc. IV, da CF, estabelece dentre os objetivos fundamentais da nossa República o de promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo e quaisquer outras formas de discriminação. Veda-se, por conseguinte, qualquer tratamento discriminatório.
Diante disso, as igrejas evangélicas precisam inserir nas suas normas internas disposições jurídicas específicas, observando os preceitos constitucionais e demais normas legais, a fim de lidar corretamente com as questões de homossexualismo. O propósito principal dessa iniciativa deve ser no sentido de sempre buscar solução pacífica para os conflitos, mormente quando as opiniões pessoais entram em choque com as convicções defendidas pela organização religiosa. A conciliação deve ser alcançada acatando não apenas os preceitos que asseguram a liberdade sexual, mas também promovendo o respeito aos princípios Bíblicos defendidos pelas igrejas evangélicas, as quais representam parte expressiva da nossa sociedade.

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 b) Da liberdade de crença e do livre exercício dos cultos religiosos
Nesse cenário é imperioso manter o justo equilíbrio entre direitos individuais e direitos coletivos, os quais não se anulam mutuamente. Se por um lado o indivíduo pode exercer livremente o direito de opção sexual, sendo vedada qualquer forma de preconceito ou discriminação, por outro, as pessoas podem também usufruir o direito à liberdade de crença e de livre exercício dos cultos religiosos. Essa é uma garantia prevista no art. 5º, inc. VI, da CF/88, que assim dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”.
Assim sendo, a liberdade do indivíduo de fazer a sua escolha sexual não suprime o direito das pessoas de ter suas crenças e exercer livremente os cultos religiosos. Não suprime também a liberdade de firmar na própria consciência o homossexualismo como pecado contra Deus. Porquanto, direitos individuais e direitos coletivos não se anulam mutuamente, mas devem se harmonizar no plano do exercício das garantias constitucionais.
c) Dos comportamentos sexuais proibidos pela igreja evangélica
A par desse equilíbrio de direitos, cumpre tecer algumas considerações importantes no tocante a aplicação dos princípios constitucionais no cotidiano das igrejas evangélicas. Para fazer valer a inviolabilidade da liberdade de crença e de prática dos cultos religiosos, recomenda-se que as igrejas evangélicas adotem um procedimento administrativo próprio, a fim de lidar com as questões envolvendo homossexualismo.
O primeiro passo é inserir no Estatuto ou no Regimento Interno, expressamente, os comportamentos sexuais que a instituição religiosa compreende que são proibidos pela Bíblia Sagrada. Pode fazer constar também, preferencialmente no Regimento Interno, as referências Bíblicas que dão respaldo ao entendimento firmado pela igreja sobre tais comportamentos. A clareza na redação do texto estatutário e regimental concorrerá decisivamente para afastar dúvidas de interpretação, possibilitando identificar com precisão a linha teológica adotada pela igreja.  
d) Das medidas disciplinares passiveis de aplicação pela igreja
Convém inserir ainda, de forma igualmente clara e precisa, as restrições e medidas disciplinares que a igreja poderá aplicar à pessoa que mantém ou que passa a manter qualquer comportamento homossexual. Podem constar, dentre outras medidas, as seguintes:
1) proibição de ser admitido como membro da organização religiosa;
2) suspensão do exercício de direitos ou da liderança de atividades religiosas;
3) perda de cargo, função, consagração ou ordenação eclesiástica;
4) proibição de celebrar liturgias religiosas;
5) proibição de participar de casamento religioso, batismo e Ceia do Senhor; e,
6) exclusão do rol de membros.
e) Do procedimento disciplinar
Outra medida relevante é estabelecer no Estatuto ou no Regimento Interno um procedimento escrito para a aplicação dessas medidas disciplinares. A grande falha de determinadas igrejas está justamente no fato de não possuir regras pré-estabelecidas para lidar com questões de restrição de direitos dos membros. Tais igrejas aplicam penalidades de forma arbitrária, sem ouvir e nem dar a oportunidade de defesa para a pessoa acusada de contrariar os princípios e as normas da igreja. O erro é maior ainda quando se divulga a medida disciplinar para a coletividade dos membros, sem que o disciplinado seja previamente informado da acusação e da decisão que lhe são desfavoráveis.
Algumas denominações evangélicas são ávidas em cometer arbitrariedades dessa natureza, principalmente as que possuem o sistema de governo episcopal, cujo líder centraliza em si mesmo todo poder de decisão. Os excessos ocorrem não somente em relação aos comportamentos sexuais proibidos pela igreja, mas também em face de outras condutas que não são aceitas pela liderança, embora nem sempre exista acerca delas expressa proibição no Estatuto ou no Regimento Interno. Essas igrejas correm o sério risco de serem obrigadas a cumprir decisões judiciais que visam corrigir ilegalidades, podendo determinar inclusive a reintegração do membro que foi desligado de forma abusiva.   
f) Do direito ao contraditório e a ampla defesa
Para evitar tudo isso, a igreja deve seguir um procedimento preestabelecido para a aplicação de medida disciplinar, mediante a prévia apuração da prática de conduta expressamente proibida aos seus membros. Nesse procedimento deverá constar, necessariamente, a oportunidade de defesa da pessoa acusada, para que apresente as suas razões, explique as circunstancias em que ocorreu o fato e aponte as provas que pretende produzir.
Esse direito de defesa deve ser conferido não apenas à pessoa acusada de prática homossexual, mas também aos demais casos de faltas disciplinares em geral. O procedimento pode ser simplificado quando a pessoa confessar espontaneamente e assumir a responsabilidade pela falta cometida, dispondo-se a aceitar a disciplina e a abandonar a prática pecaminosa proibida pela igreja evangélica. Tudo isso deve ser observado antes de se tomar decisão e aplicar qualquer medida de restrição de direitos.
Essa etapa deve ser obrigatoriamente cumprida, porque o direito de defesa é uma garantia Constitucional que se aplica a toda e qualquer espécie de procedimento disciplinar em nosso país. Assim prescreve o art. 5º, inc.LV, da CF:aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
Ressalta-se que a falta da oportunidade de promover o contraditório e a ampla defesa caracteriza-se violação de direito por ofensa ao citado preceito constitucional. A pessoa que se sentir prejudicada poderá recorrer ao Poder Judiciário, o qual, mediante o devido processo legal, poderá cassar a decisão arbitrária e reintegrar o membro desligado sumariamente, garantindo-lhe o direito de defesa. Importante frisar que as decisões judiciais dessa natureza visam tão somente afastar ilegalidades e assegurar o pleno exercício das garantias previstas na legislação.
Tais decisões não têm por finalidade ingressar no mérito das decisões eclesiásticas, para modificar os princípios, convicções e crenças que embasam as decisões da igreja. Noutras palavras, o Poder Judiciário garante o cumprimento da lei mediante a exigência do respeito aos direitos, contudo não pode cercear a liberdade de crença das organizações religiosas, obrigando-as a alterar as suas convicções Bíblicas. Se assim o fizesse, estaria ofendendo a garantia prevista no art. 5º, inc. VI, da CF, que assegura a inviolabilidade de consciência e de crença. E caso isso ocorra, deve-se recorrer à instância superior, mediante a assistência de profissional da advocacia, colimando afastar a violação de direito da organização religiosa.   
g) Da instrução e da decisão no procedimento disciplinar  
Além da oportunidade de defesa, recomenda-se estabelecer no procedimento de apuração disciplinar momento oportuno para a colheita e análise das provas, denominado instrução procedimental. Nessa fase, todas as provas lícitas e possíveis, que geralmente são admitas em Direito, devem ser igualmente admitidas no procedimento disciplinar, visando conhecer da melhor maneira possível todas as circunstâncias do fato em apuração, sua motivação, pessoas envolvidas e as suas consequências no âmbito da igreja e da sociedade. Enfim, deve-se buscar a verdade real dos acontecimentos, não apenas comentários ou opiniões sobre eles.         
Todo esse cuidado se justifica em razão da necessidade de se tomar uma decisão justa e proporcional à gravidade e às consequências do fato. Obviamente que tudo é facilitado quando o acusado espontaneamente confessa a sua falta e relata todas as circunstâncias da sua prática. No entanto, a ausência de confissão não deve se constituir em obstáculo à apuração, que pode inclusive ser suspensa até o surgimento de provas que justifiquem o seu prosseguimento.
Depois de comprovada a prática homossexual, seja mediante confissão espontânea ou por meio da colheita de provas, em tese surgem duas alternativas a serem seguidas pela igreja:
1ª) O acusado admite a falta e aceita sanção disciplinar: a igreja deve aplicar ao acusado, dentre as medidas disciplinares previstas no Estatuto ou no Regimento Interno, aquela que melhor se ajustar ao fato e suas circunstâncias, além de prestar ao disciplinado toda a assistência necessária para sua correção e ajustamento aos princípios morais da igreja.  
2ª) O acusado não admite a falta e nem aceita sanção disciplinar: é possível que exista divergências entre as convicções do acusado e da organização religiosa. Nessa hipótese a igreja deve aplicar também a medida disciplinar que julgar adequada, podendo ainda, caso o acusado se mantenha irredutível, convidá-lo a procurar uma organização religiosa que concorde com a sua prática homossexual, a fim de que ele exerça com liberdade em outro local o direito de consciência e de crença religiosa.
Qualquer que seja a decisão da igreja, tudo deve constar em ata ou do procedimento escrito que apurou o fato. Esses registros podem servir de prova perante o Poder Judiciário, a fim de comprovar que a igreja cumpriu o rito procedimental para a aplicação de medida disciplinar, previsto no seu Estatuto Social, que é o documento que define oficialmente a regras de organização e de funcionamento da igreja.           
     
h) Da divulgação das decisões da igreja
A etapa final do procedimento disciplinar é a divulgação da decisão tomada pela comissão ou conselho encarregado da apuração. Essa fase requer alguns cuidados, visando não expor desnecessariamente as pessoas envolvidas, nem causar prejuízo à igreja maior que o dano decorrente do próprio fato em si mesmo.    
A igreja pode tornar pública as suas decisões, porém deve ter as cautelas necessárias para não causar dano à imagem das pessoas perante a coletividade. Nesse sentido é oportuno relembrar a garantia prevista no art. 5º, inc. X, da CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.
Para tanto, convém estabelecer critérios para a publicidade das decisões. Podemos citar os seguintes exemplos: a) publicar as decisões em reuniões restritas aos membros; b) dar conhecimento apenas da decisão final sem discorrer sobre o fato; e, c) responsabilizar pessoalmente o membro que divulgar a terceiros qualquer assunto reservado aos membros.

Enfim, as sugestões apresentadas acima constituem um conjunto mínimo de recomendações a ser observado pelas igrejas evangélicas ao lidar com questões de homossexualismo. É bem verdade que outras regras podem ser acrescentadas e até aprimoradas, visando alcançar a resolução pacífica do conflito que geralmente surge entre as reivindicações dos homossexuais e a liberdade de crença e de livre exercício dos cultos religiosos. Tudo deve ser feito para seguir a paz, pois nem todos buscam a santificação. 

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