Por Adiel Teófilo.
As
reivindicações dos movimentos homossexuais têm provocado divergência de
opiniões em vários segmentos da sociedade, inclusive entre denominações
evangélicas. Não raras vezes surgem controvérsias de difícil resolução, colocando-se
em lados opostos, convicções Bíblicas, e, práticas homossexuais, incluindo
nessa expressão a conduta das lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais e transgêneros (LGBTTT). Os problemas mais complexos envolvem
pessoas que assumem a homossexualidade, porém insistem em permanecer no rol de
membros e no exercício de atividades na igreja, mesmo contrariando frontalmente
a convicção da instituição religiosa que reprova a homossexualidade.
As
questões dessa natureza são de fato muito complexas. No entanto é possível
trata-las de forma adequada, respeitando-se inclusive a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República
Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, conforme art. 1º, inc. II, da Constituição Federal (CF).
a) Da liberdade de
opção sexual
Na
verdade, à sombra desse Estado Democrático de Direito, as pessoas em nosso país
podem livremente escolher e manter na vida íntima qualquer conduta sexual.
Dessa forma, qualquer que seja a opção, mesmo contrária ao entendimento Bíblico
da igreja evangélica, a pessoa homossexual não pode ser tratada indignamente.
Não pode ser abordada de maneira preconceituosa, nem submetida a nenhuma forma
de discriminação, vexame ou constrangimento, por causa da sua escolha sexual.
Isso porque o art. 3º, inc. IV, da CF, estabelece
dentre os objetivos fundamentais da nossa República o de promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo e quaisquer outras
formas de discriminação. Veda-se, por conseguinte, qualquer tratamento discriminatório.
Diante
disso, as igrejas evangélicas precisam inserir nas suas normas internas disposições
jurídicas específicas, observando os preceitos constitucionais e demais normas legais,
a fim de lidar corretamente com as questões de homossexualismo. O propósito
principal dessa iniciativa deve ser no sentido de sempre buscar solução
pacífica para os conflitos, mormente quando as opiniões pessoais entram em
choque com as convicções defendidas pela organização religiosa. A conciliação
deve ser alcançada acatando não apenas os preceitos que asseguram a liberdade
sexual, mas também promovendo o respeito aos princípios Bíblicos defendidos
pelas igrejas evangélicas, as quais representam parte expressiva da nossa sociedade.
Clic para continuar lendo:
b) Da liberdade de crença e do livre exercício dos cultos religiosos
Clic para continuar lendo:
b) Da liberdade de crença e do livre exercício dos cultos religiosos
Nesse
cenário é imperioso manter o justo equilíbrio entre direitos individuais e direitos
coletivos, os quais não se anulam mutuamente. Se por um lado o indivíduo pode
exercer livremente o direito de opção sexual, sendo vedada qualquer forma de preconceito
ou discriminação, por outro, as pessoas podem também usufruir o direito à liberdade
de crença e de livre exercício dos cultos religiosos. Essa é uma garantia
prevista no art. 5º, inc. VI, da CF/88, que assim
dispõe: “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;”.
Assim
sendo, a liberdade do indivíduo de fazer a sua escolha sexual não suprime o
direito das pessoas de ter suas crenças e exercer livremente os cultos
religiosos. Não suprime também a liberdade de firmar na própria consciência o
homossexualismo como pecado contra Deus. Porquanto, direitos individuais e
direitos coletivos não se anulam mutuamente, mas devem se harmonizar no plano do
exercício das garantias constitucionais.
c) Dos comportamentos sexuais
proibidos pela igreja evangélica
A par
desse equilíbrio de direitos, cumpre tecer algumas considerações importantes no
tocante a aplicação dos princípios constitucionais no cotidiano das igrejas
evangélicas. Para fazer valer a inviolabilidade da liberdade de crença e de
prática dos cultos religiosos, recomenda-se que as igrejas evangélicas adotem um
procedimento administrativo próprio, a fim de lidar com as questões envolvendo homossexualismo.
O
primeiro passo é inserir no Estatuto ou
no Regimento Interno, expressamente, os comportamentos sexuais que a
instituição religiosa compreende que são proibidos pela Bíblia Sagrada.
Pode fazer constar também, preferencialmente no Regimento Interno, as
referências Bíblicas que dão respaldo ao entendimento firmado pela igreja sobre
tais comportamentos. A clareza na redação do texto estatutário e regimental
concorrerá decisivamente para afastar dúvidas de interpretação, possibilitando
identificar com precisão a linha teológica adotada pela igreja.
d) Das medidas disciplinares passiveis
de aplicação pela igreja
Convém inserir
ainda, de forma igualmente clara e precisa, as restrições e medidas disciplinares que a igreja poderá aplicar à pessoa
que mantém ou que passa a manter qualquer comportamento homossexual. Podem
constar, dentre outras medidas, as seguintes:
1) proibição de ser admitido como membro
da organização religiosa;
2) suspensão do exercício de
direitos ou da liderança de atividades religiosas;
3) perda de cargo, função,
consagração ou ordenação eclesiástica;
4) proibição de celebrar liturgias religiosas;
5) proibição de participar de casamento
religioso, batismo e Ceia do Senhor; e,
6) exclusão do rol de membros.
e) Do procedimento disciplinar
Outra
medida relevante é estabelecer no Estatuto ou no Regimento Interno um procedimento escrito para a aplicação dessas
medidas disciplinares. A grande falha de determinadas igrejas está justamente
no fato de não possuir regras pré-estabelecidas para lidar com questões de restrição
de direitos dos membros. Tais igrejas aplicam penalidades de forma arbitrária, sem
ouvir e nem dar a oportunidade de defesa para a pessoa acusada de contrariar os
princípios e as normas da igreja. O erro é maior ainda quando se divulga a
medida disciplinar para a coletividade dos membros, sem que o disciplinado seja
previamente informado da acusação e da decisão que lhe são desfavoráveis.
Algumas
denominações evangélicas são ávidas em cometer arbitrariedades dessa natureza,
principalmente as que possuem o sistema de governo episcopal, cujo líder
centraliza em si mesmo todo poder de decisão. Os excessos ocorrem não somente em
relação aos comportamentos sexuais proibidos pela igreja, mas também em face de
outras condutas que não são aceitas pela liderança, embora nem sempre exista acerca
delas expressa proibição no Estatuto ou no Regimento Interno. Essas igrejas correm
o sério risco de serem obrigadas a cumprir decisões judiciais que visam corrigir
ilegalidades, podendo determinar inclusive a reintegração do membro que foi desligado
de forma abusiva.
f) Do direito ao contraditório e a
ampla defesa
Para
evitar tudo isso, a igreja deve seguir um procedimento preestabelecido para a
aplicação de medida disciplinar, mediante a prévia apuração da prática de conduta
expressamente proibida aos seus membros. Nesse procedimento deverá constar, necessariamente,
a oportunidade de defesa da pessoa acusada,
para que apresente as suas razões, explique as circunstancias em que ocorreu
o fato e aponte as provas que pretende produzir.
Esse direito
de defesa deve ser conferido não apenas à pessoa acusada de prática
homossexual, mas também aos demais casos de faltas disciplinares em geral. O
procedimento pode ser simplificado quando a pessoa confessar espontaneamente e assumir a responsabilidade pela falta cometida,
dispondo-se a aceitar a disciplina e a abandonar a prática pecaminosa proibida
pela igreja evangélica. Tudo isso deve ser observado antes de se tomar decisão
e aplicar qualquer medida de restrição de direitos.
Essa
etapa deve ser obrigatoriamente cumprida, porque o direito de defesa é uma
garantia Constitucional que se aplica a toda e qualquer espécie de procedimento
disciplinar em nosso país. Assim prescreve o art. 5º, inc.LV, da CF: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;”.
Ressalta-se
que a falta da oportunidade de promover o contraditório e a ampla defesa caracteriza-se
violação de direito por ofensa ao citado preceito constitucional. A pessoa que
se sentir prejudicada poderá recorrer ao Poder Judiciário, o qual, mediante o
devido processo legal, poderá cassar a decisão arbitrária e reintegrar o membro
desligado sumariamente, garantindo-lhe o direito de defesa. Importante frisar
que as decisões judiciais dessa natureza visam tão somente afastar ilegalidades e assegurar
o pleno exercício das garantias previstas na legislação.
Tais
decisões não têm por
finalidade ingressar no mérito das decisões eclesiásticas, para modificar os princípios,
convicções e crenças que embasam as decisões da igreja. Noutras palavras, o
Poder Judiciário garante o cumprimento da lei mediante a exigência do respeito
aos direitos, contudo não pode cercear a liberdade de crença das organizações
religiosas, obrigando-as a alterar as suas convicções Bíblicas. Se assim o
fizesse, estaria ofendendo a garantia prevista no art. 5º, inc. VI, da CF, que assegura a inviolabilidade de consciência e de crença. E caso
isso ocorra, deve-se recorrer à instância superior, mediante a assistência de
profissional da advocacia, colimando afastar a violação de direito da organização
religiosa.
g) Da instrução e da
decisão no procedimento disciplinar
Além
da oportunidade de defesa, recomenda-se estabelecer no procedimento de apuração
disciplinar momento oportuno para a colheita e análise das provas, denominado instrução
procedimental. Nessa fase, todas as provas lícitas e possíveis, que geralmente são
admitas em Direito, devem ser igualmente admitidas no procedimento disciplinar,
visando conhecer da melhor maneira possível todas as circunstâncias do fato em apuração,
sua motivação, pessoas envolvidas e as suas consequências no âmbito da igreja e
da sociedade. Enfim, deve-se buscar a verdade real dos acontecimentos, não apenas
comentários ou opiniões sobre eles.
Todo
esse cuidado se justifica em razão da necessidade de se tomar uma decisão justa
e proporcional à gravidade e às consequências do fato. Obviamente que tudo é
facilitado quando o acusado espontaneamente confessa a sua falta e relata todas
as circunstâncias da sua prática. No entanto, a ausência de confissão não deve
se constituir em obstáculo à apuração, que pode inclusive ser suspensa até o
surgimento de provas que justifiquem o seu prosseguimento.
Depois
de comprovada a prática homossexual, seja mediante confissão espontânea ou por
meio da colheita de provas, em tese surgem duas alternativas a serem seguidas
pela igreja:
1ª) O acusado admite
a falta e aceita sanção disciplinar: a igreja deve aplicar ao acusado, dentre as
medidas disciplinares previstas no Estatuto ou no Regimento Interno, aquela que
melhor se ajustar ao fato e suas circunstâncias, além de prestar ao
disciplinado toda a assistência necessária para sua correção e ajustamento aos
princípios morais da igreja.
2ª) O acusado não admite
a falta e nem aceita sanção disciplinar: é possível que exista divergências entre
as convicções do acusado e da organização religiosa. Nessa hipótese a igreja deve
aplicar também a medida disciplinar que julgar adequada, podendo ainda, caso o acusado
se mantenha irredutível, convidá-lo a procurar uma organização religiosa que
concorde com a sua prática homossexual, a fim de que ele exerça com liberdade
em outro local o direito de consciência e de crença religiosa.
Qualquer
que seja a decisão da igreja, tudo deve constar em ata ou do procedimento
escrito que apurou o fato. Esses registros podem servir de prova perante o
Poder Judiciário, a fim de comprovar que a igreja cumpriu o rito procedimental para
a aplicação de medida disciplinar, previsto no seu Estatuto Social, que é o
documento que define oficialmente a regras de organização e de funcionamento da
igreja.
h) Da divulgação das decisões
da igreja
A etapa
final do procedimento disciplinar é a divulgação da decisão tomada pela comissão
ou conselho encarregado da apuração. Essa fase requer alguns cuidados, visando não
expor desnecessariamente as pessoas envolvidas, nem causar prejuízo à igreja
maior que o dano decorrente do próprio fato em si mesmo.
A igreja
pode tornar pública as suas decisões, porém deve ter as cautelas necessárias para
não causar dano à imagem das pessoas perante a coletividade. Nesse sentido é
oportuno relembrar a garantia prevista no art.
5º, inc. X, da CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação;”.
Para
tanto, convém estabelecer critérios para a publicidade das decisões. Podemos
citar os seguintes exemplos: a) publicar as decisões em reuniões restritas aos
membros; b) dar conhecimento apenas da decisão final sem discorrer sobre o
fato; e, c) responsabilizar pessoalmente o membro que divulgar a terceiros qualquer
assunto reservado aos membros.
Enfim, as sugestões apresentadas acima
constituem um conjunto mínimo de recomendações a ser observado pelas igrejas
evangélicas ao lidar com questões de homossexualismo. É bem verdade que outras
regras podem ser acrescentadas e até aprimoradas, visando alcançar a resolução
pacífica do conflito que geralmente surge entre as reivindicações dos
homossexuais e a liberdade de crença e de livre exercício dos cultos
religiosos. Tudo deve ser feito para seguir a paz, pois nem todos buscam a santificação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário