José Saramago ganhou o Nobel de literatura
com um livro intitulado “Ensaio Sobre a Cegueira”. Neste livro, sob a maestria
de sua pena, o escritor lusitano exibe a cegueira que vai para além da incapacidade
física de discernir cores e luzes do mundo concreto. A narrativa mostra pessoas
misteriosamente acometidas por uma espécie de cegueira que não as mergulha na
escuridão, mas sim, num universo anuviado onde tudo é branco. Com efeito, a
cegueira se torna epidêmica, de modo que, em pouco tempo, o mundo se transforma
num horroroso caos.
Os governantes tratam de colocar os cegos
sob quarentena segregando-os em ambiente extremamente hostil. Diante da própria
desgraça um grupo de cegos, liderado por um crápula, usa de violência e impõe
sua vontade a outros cegos. Não enxergaram a crucial necessidade de
solidariedade, a fim de derrotarem um inimigo comum e poderem sobreviver. De
outra parte, os governantes, ao invés de elaborarem políticas públicas que
viessem minimizar os problemas causados pela cegueira, preferiram manter todos
os cegos aprisionados. Desse modo, os cegos foram penalizados duplamente,
porquanto, mantidos no cárcere.
Ao descrever a cegueira como uma cegueira
branca, Saramago assinala que ela não é cegueira incapaz de enxergar, mas de ver; e, ao limitar-se a enxergar
sem ver, ela, concomitantemente, impede o cego de reparar. Neste jogo de palavras, o mestre da literatura portuguesa
expõe a monstruosa situação vivenciada pela sociedade atual. Almas anestesiadas
que perderam a sensibilidade para as demandas e necessidades do outro;
sobretudo, quando tais necessidades precisam de um referencial absoluto a
conduzir as ações de quem seria responsável por supri-las. Assim, o autor
insiste conosco: "Se podes olhar, vê. Se podes ver,
repara." Olhar para ver e ver para reparar
consiste em embrenhar os olhos nos porões da existência humana para dali perceber
as próprias carências,
sofrimentos, tumultos emocionais..., e, então, no encontro com o outro
encontrar-se consigo mesmo, conferindo-lhe dignidade numa perspectiva do
Eterno.
No assombroso ambiente descrito por Saramago o espaço para a alteridade
deixou de existir, pois houve democratização da desgraça, vez que a cegueira
atingiu a todos: políticos, religiosos, magistrados... Brutalmente marcados
pela cegueira, todos foram gradativamente se desumanizando. Desse modo, afeto,
respeito, observação de regras morais e a valorização do ser, enquanto ente
dotado de imagem divina que o dignifica, explodiram deixando para trás um
rastro de caos absoluto.
Podemos extrair daí que a desumanização do ser ocorre na exata medida
em que as pessoas vão perdendo o senso ético/moral que determina o
comportamento responsável pela paz no convívio social. Ao perder o freio moral,
as pessoas tendem a escancarar sua desumanização e retornam ao estado de
natureza, onde a barbárie, tal como preconizado pelo filosofo inglês Thomas
Hobbes, torna-se a nota dominante em todas as relações.
A narrativa de Saramago pressupõe também que a cegueira bitola a mente
humana de tal maneira que esta perde a esperança. O olhar permanece
irremediavelmente escravo de uma estrutura físico/psíquica/ideológica que não
permite o olhante ir além da realidade (ainda que falsa), superficial,
por ele ou para ele projetada.
Ao fazermos conexão entre o aterrorizante mundo elaborado por Saramago
e o contexto das ideologias de esquerda ao redor do mundo, sem dúvida, podemos
afirmar que muitos têm padecido da cegueira que cega a alma. Com o objetivo,
por exemplo, de controlar o timão da história, a fim de, supostamente, entrega-lo
às mãos dos operários, os movimentos revolucionários marxistas foram
responsáveis pela brutal dizimação de quase 150 milhões de pessoas pelo mundo
afora. Somente o ditador Pol Pot devastou metade da população do Camboja; Lenin
e Stalin arrasaram perto de 30 milhões de pessoas; muitas destas morreram de
inanição pelo cerco promovido por Stalin à Ucrânia. Cuba e Coreia do Norte
mataram, brutalmente, muitos missionários cristãos; tudo isto com a conivência
de intelectuais crápulas da estirpe de Paul Sartre, Eric Hobsbawm, Noam
Chomisky, Herbert Marcuse, entre tantos outros.
Neste cenário de horror cumpre ainda ressaltar a construção de uma
teologia (missão integral) que tenta dialogar com grandes temas de inquietação
social a partir da perspectiva marxista. Ariovaldo Ramos, por exemplo, fez essa
burlesca declaração acerca do caudilho venezuelano Hugo Chávez: “Todos os que, em todo lugar, lutam pela
erradicação da pobreza, pela emancipação do ser humano, e por justiça e acesso
ao direito para todos, tiveram, em Hugo Chávez, uma referência de compromisso
para com o pobre, para com o despossuído, para com o injustiçado.”
No discurso ao lado do presidiário Lula, Ariovaldo foi apresentado como
pastor e, do alto do palanque, conclamou seus ouvintes à rebelião civil. Seria
o guru da missão integral destituído de capacidade cognitiva que o impediria de
distinguir a face perversa da esquerda bolivariana? Seguramente não! É apenas
uma alma cega a serviço de um reino secular que usa Jesus e o Evangelho apenas
como ingrediente útil na implantação de sua ideologia.
No Evangelho de São João 9: 35-41, Jesus afirma que um dos aspectos de
sua missão é retirar a cegueira de quem está cego e cegar quem enxerga. Para o
fariseu, que se entendia como produto perfeito da religião e espiritualidade, o
mundo imaculado seria desenhado pela concepção farisaica da vida. Como tudo que
precisavam cabia no embornal religioso construído por eles, os fariseus, em
geral, abandonaram o modo divino de enxergar o mundo e o redesenharam a seu
próprio modo de ver. Neste sentido, a profundidade do olhar sacro cedeu lugar
ao olhar superficial do fariseu. Com efeito, as aberrações surgidas deixaram de
ser percebidas, posto que seus olhos, alheios à graça divina, perderam a
sensibilidade. Na obra de Saramago, as autoridades, achando-se detentoras da
correta solução para os problemas sociais, segregaram todos os cegos até que a
cegueira, como fenômeno democrático, uniformizou todos à mesma condição e o
abismo se assenhoreou de todos.
A ideologia de esquerda, também, se presta a ser arrogância iluminada,
pois, concebe a sociedade como construto da reflexão sócio/político/religiosa
feita por seus ideólogos; por conseguinte, procura conduzir todo mundo, ainda
que compulsoriamente, ao paraíso proposto por ela. A ideologia de esquerda, em
regra, acha-se dotada de superioridade moral; daí procura tutelar o caminho de
todos, pois intenciona dar luz a um “novo homem que habitará um novo mundo”.
Na obra “Ensaio Sobre a Cegueira”,
Saramago apresenta uma mulher que não perdeu a visão. Única capaz de enxergar,
a mulher foi violentada, humilhada e ridicularizada por quem era cego. Como
bússola no mar da cegueira reinante, ela conseguiu guiar muita gente para à
liberdade. Quando a desesperança, escárnio, a angustiante ausência de caminhos
e trevas se apoderou de todos, a mulher, de maneira obstinada, arrancou forças
de seu interior, com a fé de que poderia existir um mundo para além da cegueira,
prosseguiu na luta em direção à luz.
Todo ser humano que pisa o chão desse mundo vem marcado pela cegueira
espiritual. Nessa condição, tudo o que ele realiza o distancia cada vez mais de
seu Criador. É necessário, pois, que a luz de Cristo o ilumine (cf. Jo. 8:12;
9:5), a fim de que ao olhar, possa ver, e ao ver possa reparar que somente em
Jesus repousam todos os valores e critérios de nossas escolhas. O mundo jaz no
maligno (cf. 1Jo. 5:19) que tem cegado as pessoas, a fim de que não percebam
que a ideologia de esquerda não é apenas uma ideologia política, mas um
programa do próprio inferno que intenciona implantar entre nós um governo
socialista/comunista, portanto, demoníaco.
Autor: Ignácio Pinto |